Por que os modelos computacionais não podem substituir os modelos animais?

A resposta mais apropriada é porque um depende do outro!

Em meio a tantas discussões sobre o uso de animais pela Ciência (vale ler os posts anteriores do Prisma:Ética na experimentação animal (parte 1)”, “Ética em Experimentação Animal (Parte 2) – os 3 Rs” e  “Snoopy e a experimentação animal”), um dos argumentos levantados é a alternativa de se utilizar outros métodos como, por exemplo, as simulações computacionais. Minha vontade em escrever esse post surgiu de uma preocupação com a desinformação que existe a respeito dos métodos alternativos. Sinto-me na obrigação de trazer os fatos àqueles que acreditam nessa alternativa salvadora para todas as questões da Ciência e, salvadora também, para os animais utilizados nos laboratórios de pesquisa. De forma alguma quero impôr minha opinião mas sim, abrir um canal de argumentação lógica e cientificamente embasada sobre a questão do uso de animais na Ciência.

De fato, a substituição do uso de animais da pesquisa por outros modelos é uma obrigação do cientista, quando devido. Isso está na Lei e diretrizes éticas internacionais, e todos nós devemos cuidar para que as pesquisas sejam feitas de acordo a essas regras. Nas regulamentações do Bem Estar do Animal (Animal Welfare Regulations) está escrito: “O investigador principal (pesquisador ou cientista) considerou alternativas para os procedimentos e provê uma descrição escrita para determinar que não existia alternativa viável”. Cientistas e não cientistas devem cobrar esse posicionamento de todos os projetos. No entanto, a pesquisa com animais continua porque, pelo menos até o momento, não temos outras alternativas para estudos em diversas áreas, principalmente na saúde humana.

Um método alternativo discutido nas redes sociais e que vem sendo cada vem mais utilizado é o modelo computacional. Esse modelo tem uma importância ímpar em capturar características essenciais do sistema biológico como, por exemplo, correntes elétricas dos neurônios, expressão de proteínas, batimentos cardíacos etc. As informações biológicas são definidas como equações matemáticas e com isso, os modelos computacionais permitem aos cientistas a descoberta de novas variáveis que podem interferir com o sistema biológico. De maneira simplificada, esses modelos permitem a criação de novas hipóteses, mais certeiras, sobre determinados processos do organismo. No entanto, essas hipóteses devem ser confirmadas em modelos biológicos e com experimentos fisiológicos, muitas vezes em animais de experimentação. 

“Computadores podem fazer coisas maravilhosas. Mas até mesmo o mais poderoso dos computadores não pode substituir os experimentos com animais na ciência médica.” – Professor Stephen Hawking, citação de 1996

“Computadores podem fazer coisas maravilhosas. Mas até mesmo o mais poderoso dos computadores não pode substituir os experimentos com animais na ciência médica.” – Professor Stephen Hawking, citação de 1996

Todos os modelos computacionais na área biomédica que existem atualmente, mesmo os mais complexos e parecidos com as atividades de um ser vivo, foram baseados em conhecimento pré-existente. Isso quer dizer que os dados que alimentam um modelo computacional são aqueles extraídos de organismos vivos, animais ou seres humanos, sadios ou doentes. É importante ressaltar que os modelos computacionais estão em constante mudança exatamente porque novas ideias e descobertas, feitas em modelos animais, podem alimentar o sistema computacional e gerar modelos matemáticos mais precisos. O problema é que estamos longe de atingir um nível de excelência. E você sabe o por quê? Simplesmente porque todos os dias descobrimos novos processos, informações genéticas e influências ambientais nos modelos animais e, também, porque os modelos computacionais ficam obsoletos a uma velocidade extrema, assim como os próprios computadores que trocamos a cada ano. Delícia ter aquele tablet de nova geração, não? Nós, cientistas, também queremos modelos computacionais de nova geração mas, para essa evolução, as informações provenientes dos estudos sobre atividade cerebral, comportamento e dosagens bioquímicas dos animais são essenciais.

Os axônios gigantes dos neurônios da lula européia  (Loligo vulgaris) foram cruciais para a compreensão

Os axônios gigantes dos neurônios da lula européia (Loligo vulgaris) foram cruciais para a compreensão da primeira equação para modelagem computacional na neurociências

Em relação aos experimentos da área da neurociência, você sabe o que realmente é simulado no computador? Há algumas décadas, os neurocientistas passaram a tentar modelar matematicamente o cérebro. Isso porque surgiu a possibilidade de transformar o potencial de ação (sinal elétrico pelo qual os nossos neurônios carregam as informações) em uma equação matemática, a conhecida equação de Hodgkin-Huxley. Esses pesquisadores desenvolveram esse trabalho no axônio gigante de uma lula. Isso mesmo, a equação base da modelagem matemática computacional em neurociência surgiu em experimentação animal: em uma lula. Por tal feito, esses cientistas ganharam o prêmio Nobel de Medicina em 1963.

Apesar, dos avanços na modelagem computacional de redes neuronais, não está nada fácil modelar o cérebro inteiro. Alguns cientistas fizeram uma simulação da metade de um cérebro de um camundongo. A complexidade foi tão alta que, só para essa metade, foi necessário o mais rápido computador da época (o Blue Gene/L). Mesmo assim, a simulação ficou aquém de algo realmente representativo da atividade cerebral do camundongo.  Os pesquisadores declararam que a simulação seria equivalente somente a 1 segundo da vida real do cérebro do camundongo. Longe de qualquer comparação e segurança para testes de medicamentos promissores a cura de doenças humanas, certo?

O super computador Blue Gene que foi usado para simular a função cerebral.

O super computador Blue Gene que foi usado para simular a função cerebral.

No caso de simulações de outros órgãos, como o coração, os modelos computacionais são bons para as características robustas da fisiologia cardíaca em detrimento dos detalhes fisiológicos e interações celulares. O professor Dennis Noble, parte de um time da Universidade de Oxford, comentou sobre o coração virtual: “por causa da computação de milhões de equações  nesse modelo, levaríamos 30 horas somente para simular poucos batimentos cardíacos”.

Esses exemplos deixam claro que ainda estamos longe de situações adequadas para a confiança plena nos modelos computacionais, certo? Isso não quer dizer que esses modelos não sejam de extrema importância para diversas perguntas científicas. Investimento massivo (porque as simulações computacionais são extremamente caras) e também dedicação por parte dos cientistas devem nortear a melhorias dos modelos computacionais, mas só conseguiremos isso com as informações provenientes da experimentação animal.

Infelizmente, os modelos computacionais estão bem longe de substituir os modelos animais… 

Pense nisso, compartilhe e converse com as pessoas ao seu redor…

LINKS:

http://speakingofresearch.com/extremism-undone/alternatives/

http://blog.sciencekicksass.com/why-computer-models-cant-replace-animals-in-research/

http://news.bbc.co.uk/2/hi/technology/6600965.stm

http://speakingofresearch.com/2009/08/03/the-limits-of-computer-simulations/

11 respostas em “Por que os modelos computacionais não podem substituir os modelos animais?

  1. Pingback: Por que ainda usamos animais na ciência? – Eureka Brasil

  2. Gostei do texto. Interessante.

    Estou fazendo mestrado em Modelagem Computacional e sim…nunca conseguiremos substituir a experimentação animal.

    Mas eu não entro neste foco do “para alimentar os dados computacionais precisamos de dados biológicos” porque é certo e até meio óbvio. Não dá pra simular a vida inteira dados de entrada. Tem que pegar dados de campo, não tem como fugir disso. O que eu quero salientar é o seguinte: um modelo matemático-computacional SEMPRE terá erro. Por isso se chama “modelo”. Não digo nunca porque é muito forte, mas dificilmente conseguiremos modelar matematicamente e computacionalmente (são coisas distintas viu!? Muito distintas) qualquer entidade biológica que seja.

    Por fim, deixo um exemplo do que podemos fazer com a modelagem. A vacina do H1N1 foi desenvolvida em tempo recorde. Os cientistas empregaram o modelo SIRS (ou SIR, não lembro ao certo) num cluster chinês e em menos de um ano (ou pouco mais que isso) já tinham chegado à vacina. Ou seja, saíram do experimento in silico para in vivo rapidamente. Mas o que o modelo não previu em sua totalidade foram os efeitos colaterais.

    Quem tomou a vacina deve lembrar. Dor muscular, dores de cabeça, nauseas…sei de gente que teve febre forte. Isso porque a experimentação foi essencialmente in silico (teve in vivo antes de liberarem, mas não com o devido tempo).

    Quem fica aí ventilando que o modelo matemático-computacional será o futuro, tem que repensar o que está falando. Atualmente (e dentro dos próximos anos) não é bem assim que as coisas acontecem (acontecerão). Um cluster como o que foi usado pro H1N1 é caríssimo, valores astronômicos mesmo! E mesmo assim, ele não foi suficiente.

    Valew.

    PS: http://www.uems.br/portal/biblioteca/repositorio/2012-02-01_10-58-00.pdf
    Aí um bom exemplo de como as tais modelagens acontecem.

  3. Boa Tarde a todos, em especial a autora do post, Karina Abrahão. Trabalho com Parasitologia, para os leitores de outras áreas, ramo da ciência destinado ao estudo dos parasitos e suas relaçōes com os os diversos HOSPEDEIROS. Acredito trabalhar em uma das áreas onde a experimentação animal seja a mais dependente e utillizada, e claro, por causa disso tudo, um assunto muito polêmico. Entretanto, me sinto muito a vontade em debater sobre essa questão levantada, principalmente por pertencer a uma escola onde os princípios ético e moral na pesquisa são respeitados. Já tem gente demais falando que precisamos da experimentacão animal para achar a cura do câncer, vacina pra AIDS, shampoo que faz nascer cabelo e etc. Dessa forma vou restringir o meu comentário somente para área em que trabalho e “respiro” diariamente.

    Estamos tão atrasados na ciência e na medicina que, grosseiramente exemplificando, hoje quando uma das 3,5 bilhões de pessoas que vivem em áreas de alto risco de infecção, se infecta com um verme intestinal qualquer, ficamos durante meses imóveis, sem como trabalhar, até que a infecção desse indivíduo torna-se passível de ser diagnosticada. E nesses meses, o indivíduo sofre por toda ação expoliadora do parasito em seu organismo. Por quê? Porque simplesmente não conseguimos ainda criar meios para enxergarmos isso. Falta de conhecimento básico. Falta de pesquisa “caseira”. Falta de pesquisadores querendo entender o básico para depois sim, se tornarem doutores no avançado. Vários estudos já comprovaram cientificamente, que a ação de vermes pode trazer graves danos definitivos no desenvolvimento físico e intelectual de crianças infectadas, e mesmo assim por que a nossa ciência não avança nessa questão? Para avançarmos nesse estudo, e desenvolvermos técnicas mais sensíveis e precoces de diagnósticos, precisamos conhecer detalhadamente a interação biológica desse verme intestinal com o hospedeiro, ao longo desses meses ou anos de infecção. E isso, nenhum modelo computacional será capaz de fazer, mesmo se criarmos a vida na forma de máquina. Porque a variabilidade biológica e a memória imunológica dos hospedeiros determinam crucialmente o curso da infecçāo. Isso significa que uma criança brasileira nascida no sul do país pode responder completamente diferente à ação expoliadora de um parasito, de uma criança brasileira nascida no norte. Como colocar essa variável em uma fórmula matemática?

    Esse exemplo gigante e chato, foi para dizer que para avançarmos nos estudos de relação biológica parasito-hospedeiro, estudos que visam novas e aprimoradas técnicas de diagnóstico, e desenvolvimento de novos candidatos vacinais, para que finalmente possamos entender como diagnosticar, tratar e prevenir uma infecção por um parasito qualquer, precisamos da experimentação animal (seja um inseto vetor, um camundongo, um rato, um porco, uma vaca, ou as vezes o próprio homem) que mimetize a infecção humana.

    Infelizmente hoje, dia 12/12/2013, ainda não temos nada que substitua a experimentação animal na Parasitologia. Alguns colegas dirão que a Bioinformática chegou para preencher essa lacuna. Quem sabe um dia! Mas ao meu ver, a análise in silico, ainda será por um bom tempo totalmente dependente da validação experimental.

    Termino meu comentário, levantando um outro tópico para discussão:

    Por que mesmo utilizando indiscriminadamente o modelo animal na pesquisa e gastando milhares de recursos, perguntas idiotas e básicas ainda não foram respondidas??? Estamos fazendo a pesquisa correta e produtiva?

    Um abraço,
    Pedro Henrique Gazzinelli

  4. Não dá para descartar a experimentação animal, isso É ÓBVIO! Até porque os modelos computacionais precisam de dados para serem calibrados e usados.

    Não gostei do texto, em algumas passagens parece que está desprezando os modelos computacionais!

    • Olá, caro anônimo! 🙂 … Se aparentou no texto algum desprezo em relação aos modelos computacionais, não foi minha intenção. Tenho plena consciência da importância que eles tem, haja visto a trinca do Prêmio Nobel de 2013 para Química. O ponto importante é que, como você mencionou, mesmo assim não é possível descartar os modelos de experimentação em animais.

  5. Pingback: Ciência é coisa do Demos | Prisma Científico

  6. Sobre modelos computacionais e substituição de modelos animais….
    Primeiramente, no post, os modelos foram subjulgados e de fato muitas das limitações do passado foram superadas, não só pela tecnologia, mas também pela matemática. Por exemplo, numa rede bioquimica, não há a necessidade de modelarmos todos os passos, algumas alças são mais importantes no resultado final. Alais isso nem é tão novo, é de um paper do final dos anos 90 Ballaah e Yengar, Science.
    Alem disso, sugiro os trabalhos de John Lisman, onde diversar redes neuronais são modeladas e ele ja “previu” muitos macanismos com altissimo nivel de confibilidade.
    O fato é que a intenção do “modelo” (não gosto da palavra para isso, mas enfim) não é reproduzir um sistema biológico, mas sim trazer novas dormas de enxewrga ro problema direcionando o nosso “tiro” para alvos masi certeiros.

    No que se refere à substituição por modelos, relembro sempre o argumento brilhante do amigo Marco Alexandre Silva, num debate em 2007 sobre experimentação animal em que ele fala, se um dia fizermos um modelo tão proximo, mas tão identico, ou melhor identico que mimetize TODOS os processos biológicos igual a de um rato, por exemplo, não teríamos nós criado vida?
    Nesse sentido, esse modelo não deveria ter os mesmo direitos?
    È uam questão muito mais proifundo e interessante. Gosot muito do fimel, apesar de hollywoodano, o homem bicentenário para discutir esse tema.

    • Douglas, tem razão, os modelos computacionais realmente estão em avanço extremo e com certeza já ajudam a responder muitas perguntas e a economizar no uso de animais. E sim, o nível de confiabilidade vem aumentando, mesmo porque os dados dos sistemas biológicos são exorbitantes, fazendo dos modelos computacionais cada vez mais precisos. O que quis evidenciar no texto não foi desmerecer o modelo computacional mas sim levantar as questões que, pelo menos por enquanto, NÃO é possível substituir COMPLETAMENTE a experimentação animal… E se um dia modelarmos os processos biológicos por completo, sim, talvez criemos vida e começaremos a discutir a ética da experimentação computacional / robótica! Meu ponto principal é que, por enquanto, para diversos problemas da saúde não dá para substituir completamente: ponto utilizado como argumentação contra o uso de animais por diversas pessoas que não sabem exatamente o que é um modelo computacional!!!!

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