Filho e mãe: ele com os olhos dela e ela com os genes dele

Não é preciso de muita observação científica para perceber na natureza humana um padrão muito interessante: a ligação entre mãe e filho, assunto também abordado em um texto anterior do Prisma (Por que as mulheres menstruam?). Isso desenvolve-se tipicamente durante o processo da gravidez, do parto e da amamentação. Além disso, a ligação pode se dar em questões de segundos, minutos, horas, dias ou mais. É claro que essa ligação afetiva também pode ser desenvolvida para filhos não sanguíneos como no caso de uma adoção, ou com o pai da criança. No entanto, quero salientar neste texto um pouco do primeiro caso, no qual a ligação afetiva é combinada a trocas de substâncias químicas que podem alterar o organismo da mãe e do bebê irreversivelmente.

cuidado maternoA ligação da mãe com a sua cria é muito importante para um desenvolvimento adequado da prole. Alguns trabalhos mostram que durante a gravidez a mãe produz a ocitocina (hormônio do amor e do apego) e, após o parto, a concentração desse hormônio pode predizer o nível de ligação mãe-filho. Além disso, existem inúmeros trabalhos na literatura científica estudando como a separação ou privação materna podem afetar o desenvolvimento infantil ou mesmo fatores neurobiológicos/comportamentais na vida adulta de um indivíduo. Se você quiser saber mais sobre separação materna procure ler sobre o trabalho do psiquiatra e psicanalista, Edward John Mostyn Bowlby. Além disso, indico uma revisão recente Open Source (revista aberta a qualquer pessoa, cientista ou leigo, interessado no artigo científico) que analisa a atividade de diferentes regiões cerebrais de roedores separados ou não de suas mães. Também fica a dica do trabalho de um amigo meu, Dr. Carlos Eduardo Neves Girardi, publicado em 2014 também em uma revista Open Source, sobre como o estresse neonatal pode alterar fatores afetivos associados a comportamentos esquizofrênicos em ratos.

DNA

Neste texto vou falar de genes, DNA! Genes são aquelas pequenas sequências do DNA que codificam proteínas ou outras moléculas fundamentais para o funcionamento de um ser vivo.

pregnant_1728165cO cérebro de uma grávida é um mistério para a ciência. A maioria das grávidas muda o comportamento, a postura, o equilíbrio, os cuidados consigo mesma de maneiras extremas e quase que instantaneamente. E com certeza tudo isso é comandado pelo cérebro. O bombardeio de hormônios de uma situação fisiológica tão importante faz com que a mãe se transforme em uma máquina a disposição do feto. Há muitos e muitos anos sabemos que existe uma troca constante de nutrientes pela placenta e é dessa forma que a mãe alimenta o feto durante a gravidez. No entanto, já se sabe que também existe troca de material genético entre mãe e feto.

Considerando todo um novo modelo teórico e científico do estudo do cérebro de uma grávida, foi mostrado que o DNA exclusivo do genoma masculino pode persistir no cérebro da mãe por toda a vida (um dos trabalhos que achei interessante é esse aqui). Como se a gestação de um feto masculino deixasse uma marca eterna no cérebro da mãe. O impacto biológico desse DNA na mãe ainda não é claro, porém o estudo mostrou que existe uma relação entre o número de gestações de fetos masculinos e o aparecimento da Doença de Alzheimer: aparentemente mulheres com mais DNA masculinos em seus cérebros tem menor predisposição de sofrer da Doença de Alzheimer. Os pesquisadores dizem que talvez esse DNA do filho possa ajudar a proteger a mãe do desenvolvimento da doença. Claro que isso ainda é uma suposição, muitos estudos científicos devem ainda serem realizados para se comprovar se essa relação pode ter realmente uma causalidade. Aguardem os próximos capítulos da ciência ou se joguem a pesquisar essa temática tão interessante.

Vocês devem se perguntar porque dentre tantos assuntos científicos para tratar no Prisma, eu escolhi esse. Bom, diversos são os motivos que me levam à escolha de um tema para os meus posts, mas particularmente para o presente texto a história é interessante. No laboratório que trabalho no NIH estávamos encontrando algo muito esquisito em alguns animais transgênicos. Para resumir, esses animais expressam um proteína fluorescente no DNA que pode ser observada, com os devidos aparelhos, pela coloração das orelhas e patas dos camundongos. Uma pesquisadora do laboratório notou que uma fêmea que não deveria expressar essa fluorescência passou a expressá-la após a gestação que deu cria a camundongos com ou sem a proteína fluorescente. Achamos estranho demais e começamos a pesquisar. Com uma mente bem aberta a pesquisadora apresentou para o grupo os artigos sobre o transporte de carga genética entre o embrião e a mãe. Agora essa explicação parece óbvia mas na época que tínhamos o problema, não era.

O que quero ressaltar aqui é que no mundo científico as vezes as respostas para os resultados obtidos não estão só naquela literatura fortemente associada ao seu trabalho. Abra sua mente e leia. Leia mais sobre outros assuntos que não somente o seu. No meu mundo da neurociência básica, uma mãe e seu bebê tiveram mais a me ensinar do que eu imaginava.

REFERÊNCIA:

Chan WFN, Gurnot C, Montine TJ, Sonnen JA, Guthrie KA, et al. (2012) Male Microchimerism in the Human Female Brain. PLoS ONE 7(9): e45592. doi:10.1371/journal.pone.0045592

2 respostas em “Filho e mãe: ele com os olhos dela e ela com os genes dele

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  2. Lindo texto!!! A cada dia eu estou gostando mais desse tema… e recomendo muito os texto do Bowlby, citado acima. É surpreendente o quanto podemos aprender se aliarmos os conhecimentos da Psicologia aos avanços da Neurobiologia, Etologia, Biologia Molecular e Genética. Parabéns pelo texto, Karina, e pela visão mente-aberta de suas resenhas!

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